E eu estava lá, tomando meu café e folheando a Piauí.
Na mesa ao lado, um senhor, 63 anos, gravata azul, sapatos marrons com um laço em casa um; uma moça, 31 anos, vestido branco com umas poucas flores em tons de laranja; um bebê no carrinho, 1 ano, comendo uma barra de chocolate.
- Pai, você leu o jornal de ontem?
- Não leio mais esse tipo de coisa. Pra que? É a mesma merda de sempre. A manchete é a seguinte há muitos anos: novo escândalo em Brasília.
- Mas se é o mesmo há anos, não pode ser um novo escândalo.
O bebê engasga com o chocolate. A moça limpa a boca dele e o velho resmunga baixo.
- Onde já se viu. Dá chocolate pro nenê...
- Ela gosta ué. Assim pára de chorar, inclusive.
- E depois você ainda reclama do governo? O governo faz a mesma coisa com o povo. Dá qualquer merda que não melhora em nada a vida deles, na realidade justamente piora, só pra eles “pararem de chorar”. E depois? Depois de muitos anos eles se fodem. Essa criança vai ficar com diabetes.
O senhor tira a barra de chocolate das mãos da criança que, imediatamente, começa a chorar.
- Viu! Mal acostumou a criança.
- Pára vai, pai!
A moça devolve o chocolate pra criança que, no mesmo instante, pára de chorar.
- Mas respondendo a sua pergunta, não. Eu não li o jornal de ontem pra ver o novo escândalo.
- Fizeram um dossiê com dados sigilosos do governo do Fernando Henri...
O senhor interrompe a moça.
- Mas isso de novo? E agora você vai me dizer que a oposição está puta porque interromperam alguma CPI que incriminava os aliados, e que o presidente diz é “tudo intriga da oposição”?
- É mais ou menos isso, salvo a parte do...
O senhor interrompe a moça mais uma vez.
- Não preciso saber do resto. É tudo a mesma coisa e eu sei onde vai parar. Vamos embora que eu estou cansado dessa livraria!
O senhor levanta-se, leva sua xícara de café no balcão, agradece à atendente com um sorriso e volta pra mesa.
- E pára de dar chocolate pra essa criança!
O senhor, a moça e o bebê se foram, sendo o esse último com um pedaço de chocolate nas mãos.
E eu continuei ali, olhando pra mesa vazia. Será que alguém ainda não está contaminado?
domingo, 13 de abril de 2008
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Um comentário:
Adoro a sua sensibilidade, Virgu. Acho impressionante o jeito que você consegue escrever sobre todos os assuntos possíveis sem sujar o texto com adjetivos demais. É incrível a sua habilidade com as palvras. Vc tem futuro nisso! Continue assim
Beijos, Gi
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