sábado, 29 de dezembro de 2007

Uma alma em um senhor

Já tentou passear sozinho em um lugar bem mundano com muitos rostos passando pra lá e pra cá? Eu já. E foi o que eu fiz hoje. Lugar mais mundano que um shopping center classe média-alta impossível. Andava sozinha, sem compromisso, sem destino, sem perguntas, sem frases completas, sem almas a minha volta. Porque era justamente isso que eu via e sentia, corpos sem almas, simplesmente vagando. Muitas histórias por trás dos rostos, mas nada demais. Muitos devem ter passado por histórias dignas de um drama mexicano comprado pelo sbt com filhos bastardos e trocas de esposas, outras de um escuro filme europeu cuja maior parte é só silêncio e mais silêncio, outras de pequenos contos repetidos com palavras tão significativas que nem o próprio autor entenderia o sentido. Não captei nenhuma delas, a não ser um único rosto. Sentei-me e pedi um café. A minha frente estava sentado um velho. Talvez não propriamente um velho, mas um daqueles senhores consumidos pela rotina, cansados da própria vida, rugas aflorando por todo o corpo. Na alma também, quem sabe? Vestia uma roupa comum, nada que chamasse a atenção geral, contudo chamou a minha. Na verdade, não a roupa, mas o rosto, a alma. Enfim, alguém almado nesse recinto. Porém, infeliz eu. A única alma que eu encontro naquele lugar, era uma alma calada, até mesmo triste. Bebia água casualmente como quem belisca um vinho. Era calvo, talvez por estresse, talvez por hereditariedade. Contudo eu via por entre seus olhos fixos no copo em sua frente, não era nenhuma dessas causas. Era tédio. Levava óculos bifocais. Isso é um palpite, já que ele não os tirou para ler nada próximo, muito menos forçava os olhos para ver. Talvez ele só visse o mundo por entre os olhos da alma e ele pensava o mesmo que eu. Por um instante me senti confortável o bastante para me sentar junto a ele e lhe fazer companhia. Mas não me mexi. Um ataque de tosse. Normal dos senhores cheios de tédio nessa idade. Tossem para ver se alguém os nota. Eu já havia notado-o há muito tempo. Não adiantava de nada eu lhe dizer isso. Aparentava ter uma penca filhos e netos que os abandonaram, uma mulher não muito atensiosa e uma amante para os fins de semana. Deveria ganhar um bom salário a custa de horas acordado, neurônios queimados e, é claro, alguns impostos sonegados. Paguei meu café e ia relutante embora, a observar o senhor, quando sua família chegou. Um jovem homem e uma senhora, provavelmente filho e esposa. Ele levantou os olhos do copo e deu um sorriso curto. A mulher, colocando as sacolas na cadeira mais próxima, foi tagarelando aos montes e o senhor só balançava a cabeça. Levantei-me e me perguntei: será que só eu pude perceber alma tão conturbada e simplória como essa? Fui me afastando e eu mesma me respondi: Acho que um dia, talvez, alguém também irá perceber minha alma conturbada e simplória.

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