segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
O Fracasso
A única coisa que ela conseguiu fazer foi bater a porta atrás de si e desvalecer ao chão. Havia se segurado por muitas horas mas agora era inevitável, sucumbiu. Abriu os olhos e somente o que via eram os azulejos encardidos da cozinha e dois grandes olhos, amarelos, a observá-la de forma preocupada. Acariciou o gato e se levantou. Ela passou por cima do felino e continuou a andar, como se ele não estivesse lá, a procura do quarto por entre o laranja do final da tarde. Achou-o, afinal, o que parecia impressionante para ela àquela altura. Não sabia o que teria acontecido com ela se continuasse onde estava anteriormente. Arrancou os sapatos, tirou a meia calça já rasgada, desabotoou o camisete. Acendeu um cigarro. O que, afinal de contas, era o fracasso? Ela não se considerava uma vencedora plena, mas o gosto amargo não lhe era habitual. Em primeira hora, o fracasso era somente isso: um gosto amargo que percorre não somente a boca, mas passa pela garganta e chega ao estômago, provocando a mais terrível náusea já sentida. Contudo não era só isso. Apagou o cigarro. Envolvia muito mais. Acendeu outro cigarro. Mais do próprio coração do que qualquer outro órgão do corpo. O gosto amargo pode ser ruim, porém o aperto e o desaparecimento de todo e qualquer sentimento para predominar somente o fracasso é muito pior. Sentimentos são tão inenarráveis que o mais provável era somente falar de sensações decorrentes. Apagou o cigarro. Mas ela queria mais. Acendeu mais um cigarro. Ela queria saber o que era tudo aquilo. Queria sentir nas entranhas a verdade daquele sentimento que a diminuía a um átomo no universo. Lembrou-se de que o fracasso poderia ser apenas a ausência da vitória. A vitória, em contra partida, poderia ser a náusea ao contrário. É singelamente o mais puro prazer sentido nos poros, nos nervos, nas raízes. Apagou o cigarro. A vitória chegava ao coração também, pensou ela. Acendeu outro cigarro. Contudo não conseguia pensar na vitória como um ser animado, existente, real. Só sentia o fracasso, só via o fracasso, só... fracassava. O fracasso era real, assim como as flores do seu jardim, a xícara ao seu lado, o rádio ligado ao longe. O gato pulou em seu colo e ronronou alguma coisa que ela queria entender. Apagou o cigarro. Seria o fracasso algo exclusivo da raça humana? Acendeu mais um cigarro. Uma daquelas coisas que os seres humanos só inventam nas horas vagas em que não tem lá muito o que fazer? Seria imbecilidade inventar algo para o próprio tédio que leva ao desespero. Talvez fosse só maldade, ela pensou. Maldade pura daqueles que se cansam de vencer e gostam de ver os outros sofrer com o fracasso. Perguntou-se de repente se ela não seria uma dessas pessoas más. Apagou o cigarro. Afinal, não havia sentido esse gosto amargo antes. Acendeu outro cigarro. Não conseguiu pensar muito mais sobre o fato dela ser a culpada do fracasso já que o mesmo bloqueava mensagens nos pequenos neurônios que ainda funcionavam. Era como um eco. Seria o fracasso, então, o eco dos nossos medos e de nossas inseguranças? Jogamos no ar nossos mais intímos sentimentos medíocres para colher no futuro meia dúzia de fracassos bem maduros, frutos dos sentimentos que nós achavámos ter guardado. Apagou o cigarro. Mas que na realidade estavam por aí, vagando. Acendeu mais um cigarro. Não sabia mais onde trancar o fracasso e resgatar, talvez, a causa de tudo aquilo. Tentou, tentou, tentou e tentou mais uma vez. Quanto mais ela buscava, mais ela se perdia e quanto mais ela lembrava do fracasso, mais o fracasso estava lá. O seu fracasso não era um simples fracasso, daqueles que você não espera e que surgem de surpresa. Apagou o cigarro. Seu fracasso era premeditado, acendeu outro cigarro, uma reunião de substantivos, adjetivos e principalmente verbos que ela não empregou de forma correta. E ela sabia que não estava fazendo o certo, e mesmo assim, o fez. Uma negação da vida, um... fracasso. Resolveu procurar no dicionário. Dicionários são bem úteis na significação de palavras, mas não de sentimentos. Porém, lá estava ela folheando seu Mini Aurélio a procura do que a salvaria. Apagou o cigarro. Página 331. Acendeu outro cigarro. Lá estava: FRA-CAS-SO: mau êxito, malogro, ruína. Leu, releu, rereleu. Definitivamente dicionários só eram bons com palavras e seu fracasso aumentou de tamanho. Não ocupava mais seu coração, muito menos seu corpo. Seria ótimo se ocupasse somente seu quarto ou sua casa. Bom seria se ocupasse somente seu bairro, sua cidade, seu país. Porém, ocupava o universo, seu universo. Apagou o cigarro. E isso já bastava para sucumbir. Acendeu outro cigarro. Sucumbiu, de repente, em seu próprio espírito, o sentimento tomando-a pela mão e levando-a aos mais imcompreensíveis becos. Becos nos quais desapareciam os sentimentos, os olhares, as palavras, os julgamentos, os medos, as insegurança, os carinhos, os amores, os... fracassos. Apagou o cigarro. Como em qualquer uma das suas divagações, acendeu o último cigarro, não chegou a conclusão nenhuma. Apenas que o fracasso é meio maço de cigarros jogado fora.
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